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IFRS na prática


Data: 15 de março de 2010
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Um grupo pequeno de companhias decidiu se antecipar e já publicou os demonstrativos financeiros consolidados de 2009 de acordo com as normas internacionais de contabilidade, chamadas de IFRS, conforme permitido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A obrigatoriedade vale apenas para o balanço fechado de 2010. A lista das empresas adiantadas é formada por Gerdau (siderurgia), AmBev (bebidas), Souza Cruz (cigarros), Natura (cosméticos), Cielo (cartões), Net (TV a cabo), Romi (máquinas industriais) e Grendene (calçados).

A maioria dessas empresas, porém, já apresentava os balanços em outros padrões contábeis que não o brasileiro. Usavam o modelo americano, conhecido como US Gaap, e algumas até o próprio IFRS, como Gerdau e AmBev.

Considerando a amostra das oito empresas, o patrimônio líquido cresceu com as novas normas e o lucro também mostrou alta na maior parte dos casos. No mais destacado deles, o lucro da AmBev em 2008 foi de R$ 3,06 bilhões pelo padrão contábil brasileiro e de R$ 5,12 bilhões em IFRS.

O principal motivo para a mudança é o fim da amortização de ágio. Além dessa regra, outra que teve grande impacto é a contabilização do dividendo acima do mínimo obrigatório de 25% no patrimônio líquido - e não no passivo - até que seja aprovado pela assembleia de acionistas.

A Net é uma das empresas que registraram impacto positivo da mudança do ágio. Na conversão do padrão brasileiro para o IFRS, o resultado de 2008 saiu de um prejuízo de R$ 95 milhões para um lucro de R$ 20 milhões. A principal mudança que explica essa diferença é o fim da amortização do ágio gerado em fusões e aquisições.

O vice-presidente financeiro e de relações com investidores da companhia, João Elek, conta que assim que a CVM definiu que o Brasil adotaria o IFRS a empresa começou o trabalho. Apenas com consultores e treinamento desembolsou cerca de R$ 1 milhão.

O cálculo do ágio também foi a parte do trabalho de transição que mais demandou interpretação da administração. "Antes bastava olhar o valor contábil e o valor da aquisição e a diferença era o ágio. Agora temos que usar o valor de mercado e essa metodologia pode mudar o que está registrado nos livros", afirma Elek, lembrando que a alocação do preço das aquisições exige muito julgamento da direção.

Na Cielo (ex-Visanet), a questão do ágio também mereceu atenção. Foi o que mais deu trabalho, de acordo com a companhia. Mas o maior impacto veio da contabilização do dividendo no patrimônio. Feitas as adaptações, o patrimônio líquido de 2008, no balanço de reconciliação, subiu de R$ 159 milhões para R$ 702 milhões - foram mais de R$ 500 milhões em dividendos. O lucro teve apenas um pequeno ajuste, para baixo, passando de R$ 1,394 bilhão para R$ 1,342 bilhão.

"A intenção é sempre surpreender o mercado com notícias positivas", afirmou Rômulo Dias, presidente da empresa, sobre a antecipação dos dados. O processo de adaptação começou no fim de 2008. Naquele momento, foi feito um "diagnóstico da organização". "A conversão consumiu mais de 800 horas de trabalho da equipe de contabilidade, além de envolver áreas como as de recursos humanos, tesouraria e novos negócios", disse. Para treinar, ao longo do ano passado a empresa fez alguns fechamentos de balanço em IFRS, embora sem divulgá-los.

Mas mesmo entre essas empresas adiantadas nota-se que apenas três publicaram também o balanço individual de acordo com as regras emitidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), o que também será obrigatório apenas para o exercício de 2010, mas também pode ser antecipado. São elas: Souza Cruz, Natura e Romi

À primeira vista, isso parece contraditório, já que os CPCs, que valem para os balanços individuais, são basicamente a tradução do IFRS, normativo que deve ser usado no balanço consolidado. Para os especialistas e para as empresas, contudo, a diferença é grande. A legislação societária tem como base o balanço da controladora e não o consolidado. Isso significa, por exemplo, que esse é o resultado usado como referência para a distribuição de dividendos. Também é a partir desse resultado que a empresa fará os ajustes para explicar à Receita Federal a diferença entre lucro societário e tributável.

Além de mais delicado, adaptar o balanço individual aos CPCs é mais complexo do que simplesmente apresentar o demonstrativo consolidado no padrão internacional. "Para fazer o consolidado, não é necessário registrar as operações no dia a dia em IFRS. Pode-se preparar o processo extracontabilmente", explica José Luiz Carvalho, sócio da KPMG.

Já para adotar os CPCs é preciso fazer mudanças nos sistemas de computação, nos processos e também na cultura da companhia. "Até agora muitas empresas estão bem focadas na teoria e nos conceitos das novas normas, mas algumas estão atrasadas em ver efeitos nos sistemas e embutir essas mudanças nas rotinas e processos de dia a dia de fechamento", diz Bruce Mescher, sócio da Deloitte.

Para aquelas que ainda não começaram o trabalho, Mescher adianta que o processo de transição será complicado porque as mudanças precisam ocorrer enquanto a companhia ainda roda a contabilidade antiga e prepara a apresentação dos demonstrativos.

A Souza Cruz é um exemplo de empresa que, além de fazer o balanço consolidado em IFRS, adaptou o individual aos CPCs. O que gerou maior impacto foi o que trata da contabilização da proposta de pagamento de dividendos.

Outra novidade no balanço foi o reconhecimento de uma baixa contábil de R$ 30 milhões referente a um teste de "imparidade", ou valor de recuperação, de uma plataforma de sistema de marketing e distribuição. O teste mostrou que não havia mais igualdade entre o que estava no ativo e a expectativa de geração de caixa daquele bem, o que resultou na baixa. Essa decisão foi suportada por estudos e laudo técnico que atestaram a descontinuidade da plataforma, disse a empresa.

A Indústrias Romi, que já havia adotado o IFRS para o consolidado desde o ano passado, também antecipou a adoção dos CPCs. A principal diferença, positiva em R$ 19,3 milhões, ocorreu no patrimônio líquido, por conta do reconhecimento de deságio na aquisição de uma subsidiária.

Segundo o diretor de relações com investidores, Luiz Cassiano Rosolen, o fato de o efeito das novas normas não ser tão grande no balanço não significou menos trabalho. "Não facilita a antecipação porque é preciso primeiramente entender cada uma dos pronunciamentos, para daí aplicar ou não", afirma. A companhia gastou mais de um ano para a implementação das mudanças. "Tivemos que mudar processos internos para geração de informações, como a abertura dos dados por segmentos de negócios com mais detalhes", diz. Na área de sistemas, Rosolen comemorou o fato de já usar um programa robusto em controle interno. "Se a gente já não tivesse um, o custo seria excessivo."

Apesar de ter antecipado o IFRS, a Net não fez o balanço individual conforme o CPC por questões operacionais. "Os impactos são os mesmos. Mas para nós foi mais suave fazer dessa forma do que trocar tudo de uma vez", disse João Elek.

 
Lojas Americanas publica de novo balanço de 2008

 

A complexidade da nova norma contábil obrigou a Lojas Americanas e a controlada de comércio eletrônico B2W Varejo a republicar os demonstrativos financeiros de 2008. Com os novos critérios, o lucro da Americanas foi de R$ 89,5 milhões no período, e não de R$ 116,6 milhões conforme havia sido divulgado.

O problema identificado foi na contabilização das operações de hedge que a empresa adota para anular o risco cambial de suas dívidas em moeda estrangeira. Por meio dos derivativos usados, a companhia transforma o custo dessas dívidas para a moeda e taxa de juros vigentes no Brasil.

Segundo a norma internacional, que foi parcialmente adotada no Brasil em 2008 com edição de 14 novos pronunciamentos contábeis, as operações de hedge podem ser registradas no balanço de forma a não gerar efeito no resultado do exercício, seja ele positivo ou negativo. O registro do valor justo do derivativo é feito no resultado ao mesmo tempo em que são reconhecidos os itens objeto daquele hedge. Isso é permitido quando o hedge está perfeitamente casado com a transação que ele pretende proteger.

Segundo a Lojas Americanas, esse princípio foi usado no balanço de 2008 e os auditores externos, na época da Deloitte, emitiram parecer sem ressalvas sobre o demonstrativo financeiro.

Na nota em que explica a mudança, a Lojas Americanas diz que uma "revisão adicional dos procedimentos adotados demonstrou que a companhia, corroborada por seus então auditores independentes, reconheceu impactos contábeis entendidos agora como desalinhados com a sua intenção ao contratar tais operações e que não corresponderam adequadamente aos seus respectivos impactos econômicos". Em resumo, a empresa registrou um ganho que não deveria ter contabilizado conforme essas novas regras.

A companhia não informa se a mudança de critério foi uma consequência da troca de auditoria para a Ernst & Young, anunciada em abril de 2009.

No ano passado, a Lojas Americanas obteve lucro líquido de R$ 152 milhões, com alta de 70% ante o novo número de 2008. A receita líquida subiu 19,5%, para R$ 8,335 bilhões. (FT)
 
Fonte: Valor Econômico / Fernando Torres e Silvia Fregoni, de São Paulo

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